Atualizações de tramas e consequentes novas reações do público marcam remake de “Vale Tudo”, que chega ao fim na sexta-feira (17)
A arrivista social Fátima Acioli virou influenciadora. Odete Roitman foi de "vilã das vilãs" à "loba" e "sensata". O público clamava pela morte da empresária como punição, mas passou a achar que a pobreza seria castigo melhor. Fátima e a mãe Raquel eram brancas, agora negras.
Entre a versão original de “Vale Tudo” — escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères e exibida entre 1988 e 1989 — e o remake — assinado por Manuela Dias e que será finalizado na TV Globo nesta sexta (17) —, muito mudou. Mas o que as atualizações revelam sobre como era e como ficou a "cara" do Brasil retratada nas novelas?
O Verso entrevistou Mauricio Stycer, crítico de TV e biógrafo de Gilberto Braga; Vinicius Venâncio, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília e professor da Universidade Federal de Goiás; e Rafael Rodrigues, professor de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, para ajudar a responder.
Tanto em 1988 quanto em 2025, pesquisas Datafolha foram feitas sobre “Vale Tudo”, incluindo perguntas sobre punições para a grande vilã Odete Roitman, interpretada respectivamente por Beatriz Segall e Débora Bloch.
Legenda: Apesar da clássica trama do assassinato de Odete Roitman já ser conhecida, público em 2025 preferiria que vilã ficasse pobre.
Foto: Globoplay / Reprodução.
Hoje, o destino mais almejado foi a pobreza (47%), seguido da prisão (35%) e, com apenas 4%, a morte — que foi exibida na trama no último dia 6. Apesar da divisão, o entendimento de que a personagem merece ser punida é majoritário.
47%
dos espectadores desejavam que a punição de Odete fosse a pobreza
35%
dos espectadores desejavam que a punição de Odete fosse a prisão
4%
dos espectadores desejavam que a punição de Odete fosse a morte
Para o antropólogo social Vinícius Venâncio, a inversão dos resultados entre 1988 e 2025 “parece ter a ver com o desejo da população de ver pessoas ruins pagando em vida pelos seus erros”.
“A morte já não é mais o suficiente, é preciso ver sofrer. Não acreditamos mais que a história irá cobrar, precisamos que a cobrança com juros e correção monetária venha em vida, aos olhos de todos”, segue.
Na visão dele, o resultado mostra uma substituição da morte física pela “morte social”, que ocorre pela miséria ou pela prisão — ambos destinos de “humanidade destituída”. “É justamente aí que reside a chave: seguimos um bocado sádicos, apesar de atualizarmos a forma a qual desejamos a aplicação da pena”, compreende.
Em diálogo, o professor de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará Rafael Rodrigues destaca que a catarse da punição segue marcando o gênero televisivo.
A primeira realizada foi restrita a São Paulo, enquanto na atual foram entrevistadas 2005 pessoas em 113 municípios das cinco regiões do País, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Em relação à punição mais desejada pelo público, houve uma inversão de respostas entre os dois levantamentos. Em 1988, 38% dos telespectadores pediam a morte para Odete.
“A estrutura narrativa de uma telenovela, nesses quase 40 anos entre as duas versões, ainda reserva aos antagonistas o encargo das punições em seu desfecho, o que revela o quanto esse modelo brasileiro de narrativa seriada é sólido em seus elementos reconhecíveis e distintivos”, afirma.
O professor avança ao lembrar que uma das “teorias” mais fortes junto ao público é a de que Odete “não tenha morrido e que conseguirá fugir de qualquer sanção”.
“Qualquer dessas alternativas, no contexto específico de uma telenovela popular enquanto obra ficcional, parece mais excitante do que a simples extinção da personagem”, avalia.
Cinco suspeitos principais estão na mira.
Cesar Ribeiro
Heleninha
Marco Aurelio
Maria de Fatima
Tia celina
Neste sentido, desponta como provável ponto relevante para a mudança de resultados das pesquisas a nova representação da “vilã das vilãs”, que em 2025 chegou a ser elogiada como “sensata” e “loba” nas redes sociais.
Para o crítico de TV Mauricio Stycer, a inversão de destinos desejados pelo público “reflete a mudança significativa no perfil de Odete”, que na versão de Manuela Dias “é muito menos ácida e cinzenta”. Para o jornalista, a personagem “se divertiu”.
“Não sobrava muito tempo para planejar suas vilanias, o que explica as inúmeras ações mal ajambradas que promoveu”, aponta. A atualização da personagem também é ressaltada por Rafael Rodrigues:
“Ser uma mulher sexagenária no Brasil de 2025, pós-Estatuto do Idoso e diante de um progressivo avanço no imaginário social acerca das pessoas de mais idade, autoriza no remake (ou reboot, para alguns) uma personagem mais jovial, carismática e sexy”, reflete o professor.
“A original era vista pelo público como uma ‘velha coroca amargurada’, como ouvi de pessoas próximas, enquanto a feita pela Débora Bloch, mesmo tendo a mesma idade, é vista como mais jovial e no auge da vida”, ecoa o antropólogo Vinícius Venâncio.
O lado “sensata”, ele segue, se fortalece pelo “empobrecimento” dos perfis de Afonso e Heleninha Roitman, filhos de Odete — interpretados antes por Cássio Gabus Mendes e Renata Sorrah e, agora, por Humberto Carrão e Paolla Oliveira.
“(Eles) se tornaram, para parte do público, dois personagens muito chatos e mimados. Junto a isso, colocar a Odete como uma mulher workaholic e quase self-made em um mundo de homens, atualmente, tem outro peso com o avanço das discussões feministas. Algo similar acontece em relação à sua liberdade sexual”, avança.
A empresária permanece com ideias “tão controversas e ferinas quanto no original, mas agora capazes de se propagarem de maneira viral nas plataformas digitais em cortes de vídeos, memes e figurinhas”, acrescenta Rafael.
“Um dos possíveis efeitos da construção dessa renovada Odete Roitman é sua popularidade — a vilã que traz frescor, e mesmo um certo alívio cômico para a trama — e não é descabido pensar que o público desenvolveu um certo apego a essa personagem, a ponto de querer prolongar sua existência, mesmo que na prisão ou na miséria”
Rafael Rodriguesprofessor de Jornalismo da UFC
Também vilã da trama, Maria de Fátima ganhou contornos próprios da época no remake. Ao arrivismo social da personagem originalmente vivida por Glória Pires, foi atrelado o desejo de virar influencer na versão de Bella Campos, com direito a perfil no Instagram.
Para Vinícius, a repercussão da personagem se liga a uma série de visões e comportamentos de gerações mais novas, incluindo descrença na meritocracia, na educação formal e o desejo de enriquecer pelas redes sociais.
As alterações em geral, na avaliação de Mauricio, “refletem um desejo de atualização e busca de identificação com segmentos do público”. O crítico defende o movimento como “natural” em remakes, mas reconhece reações contrárias dos espectadores.
“É o caso de se perguntar se o público, ou parte do público, esperava e desejava atualizações tão radicais, em alguns casos. A julgar pelas reações nas redes sociais, Manuela Dias cometeu um sacrilégio ao fazer muitas dessas mudanças. Na minha visão, foi uma reação exagerada e, de certa forma, conservadora”, considera.
Em perspectiva de leitura crítica da mídia, Rafael ressalta que o modelo tradicional de telenovela “absorve, refrata e reconstrói esses inputs de mudança social em suas tramas, em especial aquelas que se passam na contemporaneidade”.
“Certamente a Globo, com seu controle de qualidade estrito e as transformações de modelo de negócio pelas quais que passou no sentido de se conectar mais adequadamente às audiências dos dias de hoje, está amparada em dados e perfis de público que justificam, ao menos de um ponto de vista empresarial, as mudanças na construção das personagens”
Rafael Rodriguesprofessor de Jornalismo da UFC
Antes do remake começar a ir ao ar, um dos principais debates referentes a uma das atualizações de “Vale Tudo” se concentrou no fato de que Raquel e Maria de Fátima passariam a ser negras.
“Era inevitável que o elenco da atual versão de Vale Tudo fosse enegrecido”, inicia o antropólogo social Vinícius Venâncio, “o que não aconteceria sem retaliação social”. “Apesar dos avanços, o Brasil segue sendo um país profundamente racista. Não à toa, tanto Bella Campos quanto Taís Araújo foram desqualificadas quando seus nomes vieram à tona”, relembra.
Legenda: 'Era inevitável que o elenco da atual versão de Vale Tudo fosse enegrecido', aponta o antropólogo Vinícius Venâncio.
Foto: Manoella Melo / Globo / Divulgação.
A decisão se deu na esteira de um movimento geral da própria Globo de buscar certa “política de equidade racial”, ressalta o professor Rafael Rodrigues, alinhada “com uma mudança mais ampla no mundo do trabalho, o que inclui políticas afirmativas em universidades, concursos públicos e posições na iniciativa privada”.
“A população negra, apesar de majoritária em termos quantitativos, é sub-representada na concepção de produtos de mídia na TV comercial, além de reclamar maior protagonismo nessas obras”, contextualiza.
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